domingo, 25 de outubro de 2015

Você tem medo de que?

Quando eu penso no nascimento do Joaquim, imagino que será maravilhosamente lindo e encantador. Acredito estar fazendo o melhor para nós dois. Para nós quatro.
Quando eu me lembro do nascimento do Gabriel, penso no quão dolorido foi não tê lo. Não estar com ele no meu colo, sentir ele em contato com a minha pele. Mas jurava que tudo aquilo era normal. Eu não pude sofrer, não. Eu tinha que encarar de frente e não podia me levar por aquele sentimento que estava me dominando. Me lembro bem que as pessoas a minha volta diziam que eu era muito forte e eu concordava e sorria. Ninguém sabe exatamente o que eu e o meu marido passamos naqueles quinze dias que o Gabriel esteve numa UTI. Me lembro exatamente da hora que o Bruno entrou no quarto e disse: o bebê ta indo para UTI, ele não ta respirando. Tudo a minha volta ficou um pouco turvo, um pouco vago e o som baixo. A TV estava ligada e eu fiquei imóvel olhando para ela. Lembro da minha mãe, em pânico e lembro de todos saírem de dentro do quarto e eu fiquei sozinha. Pouco depois alguém voltou e disse que o Bruno estava lá com o bebê e que ninguém mais poderia fazer nada. Eles iriam embora e qualquer coisa eu poderia ligar. Foram momentos de solidão completa, foram momentos horríveis. Ninguém nunca vai conseguir entender ou sentir. Me lembro que em algum momento o Bruno voltou e eu perguntei sobre o bebê, ele me mostrou fotos e disse que ele estava lá na incubadora e que assim que fosse possível eu poderia estar lá. Foram quase nove horas sem saber quem era, como estava, como era sentir aquele bebê... Quando a enfermeira entrou no quarto me disse para tentar levantar e eu disse que não conseguia. Ela disse que só depois do banho eu poderia ver meu filho. Tirei forças de dentro de mim e fui me arrastando pela  cama e desci, fui caminhando ao banheiro e tomei banho, tudo com a ajuda do Bruno e da enfermeira. Me ajudaram a colocar uma roupa e nos trouxeram uma cadeira de rodas, fui levada a UTI pra ver meu bebê pela primeira vez após o seu nascimento. Que sentimento louco. Que sensação boa e horrível. Entrar na UTI, colocar a roupa e lavar a mão inúmeras vezes. Quando entramos, meu coração estava acelerado e borboletas no meu estômago, aquela sensação de ansiedade, tinha uma leve tremedeira. Chegamos enfim ao nosso bebê e ele era maravilhoso. Lindo, lindo, lindo. Que dor não poder pega-lo, que dor não poder sentir e carregar em meus braços. Eu nunca consegui escrever sobre esses momentos. Foram os mais difíceis que vivi nessa vida. Quando eu engravidei nunca passou pela minha cabeça que algo desse tipo pudesse acontecer. Nunca.
Eu chorei ao ver ele, não poder fazer nada... Impotência. Tudo isso era muito difícil de se assimilar. Voltamos ao quarto. Não me lembro se conversamos no trajeto até lá, só sei que eu chorei e uma enfermeira disse que se fosse possivel evitar o choro e a tristeza ao lado do bebê, a energia positiva ajudava muito na sua recuperação e ele precisava disso. Foi difícil. Quando chegamos no quarto, deitei na cama e não me lembro como foi aquela noite, aqueles dias, lembro de fatos isolados. O telefone tocou as seis da manhã no nosso quarto e trememos para atender. Solicitaram o pai na UTI. O Bruno foi sozinho mas eu estava lá de alma, junto com ele. Foram momentos de total cumplicidade nossa. Não vou me esquecer jamais do momento que a porta abriu, fechou e ele sentou do meu lado e começou a chorar. E eu comecei a chorar. Nós dois ali abraçados na cama, no escuro e choramos, de soluçar. Eu achei que havíamos perdido o nosso amor, nosso pedacinho, que eu nem tinha sentido direito no colo, que não amamentei, que esteve comigo durante nove meses... Mas na verdade eles só solicitaram a presença de um de nós para que fosse autorizado entubar. Ele não respirava. Eu também não respirava. Nós três, não...
Algumas pessoas vieram nos visitar e era um tanto quanto doloroso, não havia bebê e eu não via sentido das pessoas irem até lá, eu me sentia vazia. Me sentia em outra órbita.
O dia da alta foi desesperador. Eu pensava na distância que nós iríamos ficar. Eu estive com ele dentro de mim durante nove meses e de repente eu estava deixando ele do outro lado da cidade. Que desespero. Eu chorei muito e muito. Que dor. Dor física. Meu coração estava despedaçado. Me lembro de ligar pra minha mãe e só conseguia chorar e dizer que não conseguiria sair de lá. Eu não queria. Nos despedimos do Gabriel separadamente. Que sensação horrível. Eu pedi desculpa por ter feito ele passar por tudo aquilo. Eu nem sabia o porque. Não tinha ideia do porque de tudo aquilo acontecer com a gente e principalmente com ele. Foi o pior dia de todos. Nunca vou conseguir esquecer. Uma senhora na porta da UTI me disse assim: Calma, as coisas vão dar certo. Todas as vezes que você chegar perto dele, diga: Maria, passa na frente. Eu me lembro de apenas uma vez ter dito mas inconscientemente eu falava todas as vezes que via ele. Me agarrei a todas as forças que pudessem existir. Principalmente no nosso amor. Que sempre foi tão grande. Foram dias difíceis que se passaram. Quinze dias. Nós conseguimos, juntos. Juntos estamos.
Quando eu penso que não entrei em trabalho de parto ainda penso muito nesse sentimento guardado. Nesse sofrimento. Esse medo que senti. Talvez o Joaquim esteja sentindo que eu precisava sofrer por isso, chorar por isso, deixar ir embora. Joaquim, talvez a sua vinda seja para ajudar a cicatrizar essa ferida que existe aqui dentro. Todo esse pavor ir embora. Não é a toa que eu sempre repito para o seu pai: Não me deixa esquecer de respirar. Precisamos juntos respirar. Todos nós.
Gabriel, eu juro que fiz o meu melhor como sua mãe e eu tentei de todas as formas te proteger e cuidar. Me desculpa pelas coisas que fizemos você passar. Te amamos tanto que dói.
Joaquim, eu busquei durante a gestação ser alguém melhor para sua chegada. Procurei te dar a melhor recepção desse mundo. Te respeitar. Eu desejo que seja uma chegada linda, tranquila. Você está chegando para trazer a tranquilidade e mais união para nós. Que seja doce a sua chegada. Pode vir meu amor, eu estou pronta!
 
 
 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Obrigado pelo comentário!